Quinta-feira, 2 de Junho de 2005

PRELIMINARES PARA UM JOGO DE GUERRA

genova.jpg
Génova 1960

«Os políticos mentem, os jornais calam, as paredes falam».
Grafitti de Barcelona, Junho de 2001.

1.
Génova abriu caminho para a clarificação das lutas futuras contra o que se convencionou chamar de lutas anti-globalização. O capitalismo sempre foi internacional assumindo, cada vez mais, desde os anos setenta a sua verdadeira face. Cada vez mais letal, recorre à morte programada para expandir o que o levou a ser criado. A rapina dos recursos do planeta, o trabalho robotizado para milhões de seres humanos, a escravatura sem limites para biliões de homens e mulheres que vivem na periferia do seu centro. Alargou os seus tentáculos a áreas que, por pudor ou incapacidades subjectivas, nunca antes tinha tocado. Hoje, não se trata de combater a barbárie tão cara aos intelectuais dos anos sessenta mas, sim, a morte dos anos dois mil.

2.
O género humano corre um perigo iminente. Não se respira, não se come, não se vive. A dicotomia entre países pobres e ricos não tem sentido se os objectivos forem a integração molecular capitalista. Cair na imbecilidade de «dar» aos países pobres o que os ricos têm a mais é defender o espectáculo das trocas de mercadorias abandonadas em favor da morte programada pelos media mundiais dessas mesmas áreas de pirataria e de saque. Milhões de endividados e sobreviventes do Norte a quem o capitalismo fez acreditar serem ricos apoiam caridosamente a sorte aleatória das massas que ainda não o conhecem directamente.

3.
Desde Porto Alegre que vem sendo vendida a ideia de que existem globalizações «boas» e « más» (1). Reside aqui o vértice de toda a acção em torno das situações de manifestações programadas e integradas rapidamente por agentes políticos do estado. Em Portugal, os teóricos das esquerdas parlamentares não se cansam de o admitir. Se, desde Seattle, o silêncio mostrou a incapacidade evidente de entenderem o que quer que seja principalmente na radicalidade da destruição simbólica, a partir de Génova desdobraram-se em declarações que pretendem mostrar as «boas» causas das «boas» globalizações (2). Preferem, assim, numa conjuntura que se perfila claramente anti-capitalista, não tocar na ideia do mercado tornado espectacular. O valor de troca das mercadorias não é posto em causa, em detrimento do valor de uso das trocas produtivas. Preferem, na sua imbecilidade já histórica, lutarem por «um mundo melhor»! A miséria da filosofia no seu esplendor.

4.
A famosa expressão «direitos de cidadania» que abriu a Cimeira de Porto Alegre não é mais que um logro perigoso para quem acredita que o capitalismo pode ser autogerido em assembleias municipais ou por voto electrónico. Quando o patrão exige novidade o escravo honesto proclama, de imediato, a sua própria modernidade (3). Entretanto, os partidos de Porto Alegre começaram a limpeza da cidade multiplicando as agressões e ataques a alternativos, punks e okupas.

5.
Génova permitiu ver até que ponto a traição das esquerdas parlamentares chegou. A divisão entre pacifistas e violentos faz parte do jogo da polícia e do estado. Isolando uns, gradualiza-se e selecciona-se a vítima seguinte. Os militantes do PCP, presentes nas esplanadas de Génova, chegaram ao ponto de denunciar a falta de eficácia da polícia italiana contra as «provocações anarquistas» (4) e isto já depois de ter sido assassinado um manifestante. Já o Bloco de Esquerda fala na necessidade, «agora, mais que nunca» (?) de mostrarem e sublinharem perante os media que os ilumina o seu intrínseco pacifismo (5). Declarações já feitas depois do ataque ao centro do Indymedia. A miséria da praxis no seu esplendor.

6.
Juntam-se, portanto, aos editorialistas de estado que são comprados para exprimirem as suas opiniões, evidentemente livres. Corta-se na Net, censura-se a imprensa alternativa, acciona-se o Echleton, alugam-se dirigentes da esquerda e da direita para esclarecedores «debates» que não dizem coisa alguma (6). Transmitem o que lhes dizem os donos sem face. Para os mais incrédulos, recordem-se do atentado de Bolonha, a prisão de Negri ou o Plano Norte no Euskadi e o comprovado papel dos media conjugado com as secretas militares e perceberão com mais clareza ao ataques alarves contra alguns dos manifestantes. Mesmo aos mais pacifistas. A suspensão dos acordos de Shengen pelo fascista Berlusconi a fim de confinar os presos em campos de concentração e em estádios, mereceram destas meretrizes, umas poucas linhas, mas nem por isso de indignação.

7.
A violência auto-defensiva já vem muito antes de Seattle, Praga, Gotemburgo ou Barcelona. A insurreição de Los Angeles, o movimento zapatista e os 1º de Maio alternativos de Londres e Amesterdão mostraram o simbolismo da destruição dos fétiches capitalistas. A destruição existe porque não há mais nada a dizer. Principalmente porque a arte do argumento e do debate, tão cara aos salões burgueses modernos, se esgotou. Agora falam as armas e os corpos e o futuro dirá quais as reais dimensões dos Jogos de Guerra e das situações tornadas irreversíveis. As futuras acções de combate só podem ter sentido na destruição de um mundo que já não o é, porque destituído de toda a sua dimensão humana e ecológica. Não havendo nada a perder só nos resta expressarmo-nos com o hedonismo de uma vida realmente vivida e com a criação de jogos reais. Da deriva criadora de situações extraordinárias.

Notas
1) O mais notável e mediático vendedor desta farsa é Boaventura Sousa Santos que, em várias entrevistas chega mesmo a contrapor à expressão «Povo de Seattle» carregada, para ele, de demasiada radicalidade a de «Povo de Porto Alegre».
2) Neste mesmo saco, e sem quaisquer pruridos, entram Miguel Portas, Alexandre Melo, Vasco Graça Moura, Mário Soares e o inesquecível lambe-botas J. Manuel Fernandes, director do Público, com o seu já célebre «cheiram mal!» em referência aos manifestantes de Génova!
3) Cit. de Guy Debord.
4) Jornal de Notícias de 22/07/01 - «Ângelo Alves do CC do PCP(...) sustentou que, se quisesse, a polícia poderia ter controlado alguns grupos deixando os activistas pacíficos manifestarem-se livremente» e, mais à frente, queixa-se de que «houve mesmo militantes do PCP e da JCP que se sentiram mal porque o ar estava irrespirável»!!!
5) Jornal de Notícias de 22/07/01 - Jorge Costa, assessor de imprensa do BE, para além de afirmar que «agora, mais que nunca, o BE deve mostrar o seu pacifismo» presenciou algumas cargas policiais que obrigaram os alucinados militantes do BE a uma «corrida»! Luís Branco, do PSR, secundou-o em entrevista às TV's.
Diário de Notícias de 26/07/01 - Miguel Portas: «Em Génova morreu um formato - o do espectáculo do poder, isolaram-se os hooligans da contestação (sic) e afirmou-se uma cultura de inconformismo. Óptimo.» Berlusconi não diria melhor!
6) Diário de Notícias de 21/07/01 - Pierre Bourdieu, um sociólogo inútil e conhecido pelas suas posições anti-televisão (escreveu um livro intitulado« Sobre a Televisão») e recusando sistematicamente a sua presença nas televisões para debates, visto serem inconsequentes, desta vez fez umas queixinhas insuspeitas. Nesta entrevista afirmou: «Estou pessimista. Os protestos atraem a curiosidade de todos. E por isso fracassa qualquer tentativa de análise. A opinião pública só gosta de anarquistas, dos hooligans, dos extremistas de esquerda.» Ninguém liga ao homem?

27/07/2001
publicado por António Luís Catarino às 23:48

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